Neste artigo, a mentora de mulheres e advogada Mayra Cardozo destaca as razões que levam uma mulher a permanecer em relações abusivas

*Por Mayra Cardozo é mentora de mulheres e advogada. Idealizadora do método alma livre criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.

Quando pensamos nas razões que levam uma mulher a permanecer em situações de violência psicológica, é importante olhar para a construção social que molda suas experiências e decisões. Desde cedo, as mulheres são bombardeadas com regras e expectativas sociais que ditam o que significa ser uma “boa mulher”.

A sociedade ensina que, para ser completa, uma mulher deve casar e ter filhos. Regras religiosas frequentemente reforçam a ideia de que a mulher deve ser submissa ao homem, enquanto normas sociais tendem a culpabilizá-la se o relacionamento terminar.

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Essas expectativas, em conjunto, criam um ambiente propício para a consolidação de relacionamentos abusivos, nos quais o sofrimento é justificado e a mulher se sente impotente para reclamar ou sair da situação.

Muitas vezes, a vítima permanece nesse tipo de relacionamento porque, ao seguir essas regras, ela é valorizada pelo marido, pela família e pelo círculo social.

A mulher que não se submete a essas normas é frequentemente criticada e rotulada como egoísta, “forte demais” ou “independente demais”, características que, paradoxalmente, são vistas como desqualificadoras na perspectiva de atrair ou manter um parceiro.

Isso faz com que a mulher, temendo a desaprovação social e a solidão, tenha dificuldade em romper com o relacionamento abusivo ou mesmo volte para ele após tentativas de separação.

Ciclo de abuso e questões práticas

Outro fator que mantém a mulher em um relacionamento abusivo é o ciclo de abuso, muitas vezes mascarado pelo “período de lua de mel”.

Nesse ciclo, o agressor pode atender a algumas críticas feitas pela vítima, criando uma falsa sensação de mudança, o que a acalma e a faz acreditar que a relação pode melhorar; no entanto, uma vez que o agressor sente que recapturou o controle, ele retorna aos padrões abusivos.

Além das pressões sociais e emocionais, questões práticas como a dependência financeira e patrimonial também desempenham um papel significativo.

Mayra Cardozo é mentora de mulheres e advogada

Para muitas mulheres, o medo de perder o padrão de vida adquirido ou de enfrentar dificuldades financeiras sozinha é um forte impedimento para sair do relacionamento.

A questão sexual também pode ser um fator, pois, se o sexo na relação é satisfatório, pode contribuir para que a mulher permaneça, tentando se agarrar às partes boas da relação.

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Em situações onde o casal tem filhos, estes também se tornam um fator determinante para que a mulher continue investindo na relação.

O medo de causar um impacto negativo na vida das crianças ou a crença de que manter a família unida é a melhor opção, ainda que o relacionamento seja tóxico, muitas vezes segura a mulher nessa dinâmica destrutiva.

No entanto, é importante reconhecer que crescer em um ambiente de violência psicológica pode ser extremamente prejudicial para as crianças.

Crenças, costumes e dependência emocional

Outro fator que não pode ser ignorado é a dependência emocional. Muitas mulheres, ao longo do tempo, perdem sua identidade, tornando-se apáticas, ansiosas e isoladas.

Essa perda gradual de si mesma, muitas vezes comparada a uma espécie de “anestesia emocional”, faz com que a mulher se sinta incapaz de imaginar uma vida fora desse relacionamento – a identidade dela se mistura com o sofrimento, deixando cada vez mais difícil identificar onde começa, de fato, a relação abusiva.

Por fim, as regras religiosas muitas vezes desempenham um papel crucial em manter essas mulheres presas em relacionamentos abusivos.

A interpretação de que “o amor tudo suporta” pode levar muitas a acreditar que o sofrimento é uma prova de seu amor ou fé, fazendo-as continuar em relações que, na verdade, as destroem.

Essas mulheres frequentemente precisam de uma rede de apoio forte para conseguir sair dessa situação. No entanto, quando fazem o movimento de pedir ajuda, muitas vezes são punidas seja pela sociedade, seja pelo próprio parceiro.

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Portanto, é fundamental que, ao analisar uma situação de violência psicológica, se considere todo o contexto que influencia a vítima, reconhecendo a complexidade das forças sociais, emocionais, e práticas que a mantêm presa a essa relação.

Entender essas dinâmicas é o primeiro passo para oferecer o apoio necessário e ajudá-la a recuperar sua autonomia e identidade.