Endocrinologistas alertam para a automedicação para emagrecer e esclarecem que canetas injetáveis são indicadas apenas para o tratamento do Diabetes Mellitus tipo 2 e obesidade
Frases como “comer de tudo e não engordar” ou “perder peso sem esforço” já devem ter cruzado sua mente, especialmente se manter o peso ideal sempre foi um desafio. Mas é fundamental entender que, embora seja possível desfrutar de todos os alimentos em porções equilibradas, não existe fórmula mágica ou atalho para emagrecer sem ajustes no estilo de vida e dedicação.
Na busca pelo corpo ideal, muitas pessoas optam por dietas restritivas ou seguem tendências populares, como técnicas ou medicamentos que prometem resultados rápidos. É aí que mora o risco! Ignorar a individualidade do próprio corpo, acreditando que o que funciona para outros também será eficaz para si, pode trazer consequências graves.
Em nome da estética, há quem recorra a automedicação sem orientação médica, um problema amplificado pelo uso indiscriminado de fármacos injetáveis, como as chamadas “canetas emagrecedoras”, originalmente desenvolvidas para tratar diabetes tipo 2.
Para garantir que o uso desses medicamentos seja compreendido de forma adequada, é essencial abordar o tema com seriedade e informação clara. A endocrinologista Vanessa Bittencourt de Almeida Tavarone esclarece que as opções disponíveis no mercado com os princípios ativos de semaglutida, liraglutida e tirzepatida também podem ser usadas no tratamento do sobrepeso.
“A obesidade é uma condição crônica onde vários fatores estão envolvidos, o que exige uma abordagem multidisciplinar”, explica.
Contudo, a especialista alerta que a expressão de “canetas para emagrecer” não deve ser utilizada, justamente para desvincular de objetivos ligados à aparência, o que prejudica o acesso das pessoas ao tratamento de uma forma séria, ética e acolhedora.
A endocrinologista Fabiana de Souza Barcala reforça dizendo que: “Desencorajamos o uso do termo ‘canetas emagrecedoras’, como é propagado pelas mídias e pelo senso comum. Porque trata-se de um medicamento para o tratamento da obesidade”.
Ela alerta para um número crescente de pessoas fazendo uso sem acompanhamento médico, e o que é pior, sem indicação clínica.
“Precisamos diferenciar, por exemplo, aquelas pessoas que fazem uso por um desejo social por emagrecer e na busca de um ideal de corpo perfeito, daquelas que usam como parte de uma abordagem de tratamento da obesidade”, destaca a médica Fabiana.
Cuidados com a automedicação para emagrecer
Os medicamentos injetáveis pertencem ao grupo denominado agonistas de incretinas (que regulam o metabolismo da glicose), principalmente, do hormônio GLP-1 (Glucagon-like Peptide-1) produzido no intestino e liberado na presença de glicose.
Segundo Vanessa, esses medicamentos foram desenvolvidos inicialmente para o tratamento do diabetes, pois o hormônio proporciona melhor controle glicêmico.
“Posteriormente, observou-se que eles também levavam a uma perda de peso significativa. Então, iniciaram os estudos para sobrepeso e obesidade em indivíduos sem diabetes”, relata.
A diferença para determinar o tratamento está na dosagem. Por exemplo, os medicamentos disponíveis no Brasil possuem doses que podem variar de 0,25 a 0,5 mg para a semaglutida e 0,6 a 1,8 mg para a liraglutida, quando o objetivo é o trabalho do diabetes.
Para o tratamento da obesidade, pode-se necessitar de doses maiores destes medicamentos. Atualmente, apenas a liraglutida (Saxenda®) está disponível no mercado brasileiro para o tratamento da obesidade, com aplicação diária.
A semaglutida, na versão com o nome comercial Ozempic® seria para o tratamento do diabetes. A primeira injeção semanal (com o princípio ativo a semaglutida, que se chama Wegovi®), já aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento de sobrepeso e obesidade, chegou ao Brasil neste segundo semestre.
Indicações com acompanhamento médico
O tratamento farmacológico para o sobrepeso é indicado quando o Índice de Massa Corporal (IMC) é superior a 27 e na presença de comorbidades.
“A obesidade é uma doença crônica, além de contribuir para o desenvolvimento de outras enfermidades, como hipertensão, insuficiência cardíaca, esteatose hepática (gordura no fígado), pré-diabetes, alguns tipos de câncer, problemas respiratórios e doenças articulares. Na mulher, o sobrepeso/obesidade está associado à síndrome dos ovários policísticos, infertilidade e piores desfechos na gestação”, explica Vanessa.
Por isso, diz a médica, aliado à medicação, é orientado que o paciente tenha uma alimentação saudável, pratique atividades físicas regularmente e avalie seus hábitos e comportamentos para identificar, por exemplo, transtornos de humor, ansiedade ou depressão.
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A avaliação realizada por um endocrinologista é fundamental antes de iniciar um tratamento. O especialista analisará qual a melhor opção, se o paciente não tem contraindicação para sua utilização, se apresenta outros problemas de saúde prévios ou se já toma outros remédios que, eventualmente, podem ter interações farmacológicas perigosas.
“As canetas injetáveis para o tratamento da obesidade têm efeitos positivos, que suplantam os possíveis efeitos adversos. Somente com a orientação médica é possível amenizá-los com a dosagem adequada”, argumenta Vanessa.
Toda decisão de tratamento, complementa Fabiana, envolve a avaliação clínica do paciente, que inclui sua história, exame físico e alguns exames complementares. “Precisamos conhecer a vida do paciente, sua relação com a comida, seu perfil alimentar (hiperfágico – não come fora de horário, mas na hora da refeição ingere uma quantidade calórica significativa –, beliscador ou comer emocional) e entender seus hábitos”, explica.
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Benefícios da medicação com acompanhamento médico
Essa classe de medicamentos injetáveis, para Fabiana, representa um grande avanço no tratamento da obesidade e traz esperança, porque opções até então disponíveis levam a perdas mais modestas, que variam até 10% do peso corporal.
“Importante destacar que o arsenal terapêutico para o excesso de peso não é tão grande, temos apenas cinco medicamentos aprovados para esse fim. Em um passado recente, tivemos algumas medicações que agora são proibidas, pois tinham potencial de dano, dependência ou até pouco eficazes”, relembra.
Para endocrinologista Fabiana, a grande procura por essas medicações deve-se ao impacto na perda de peso, com médias superiores a 15%.
“O fato das redes sociais e muitas celebridades fazerem propaganda, certamente contribui para as pessoas buscarem seu uso de forma indiscriminada. Muitas nem sequer teriam indicação clara de uso, fazendo apenas por questões estéticas. Além disso, vemos o uso incorreto, a exemplo de medicação que deveria ser aplicada semanalmente sendo usada diariamente. Já há, inclusive, relatos de falsificações e um crescimento de promessas milagrosas e produtos sem aprovação comercializados de forma clandestina como ‘chip de semaglutida’”, relata a endocrinologista.
Outra consequência dessa “moda” e da banalização do uso é que muitas pessoas, que poderiam se beneficiar da medicação, passam a ter receio por falas equivocadas e propagação dos efeitos colaterais.
“É como se usar uma medicação para obesidade fosse entendido como falha individual. Ouço muito isso no consultório. Pessoas que demoraram anos para buscar ajuda e chegam se culpando, referindo que fracassaram em manter um peso saudável. Como se não tivessem se esforçado suficientemente e que o excesso de peso seria resultado unicamente de suas más escolhas. Como se a obesidade não fosse uma doença!”, relata a Fabiana.
Mudanças no estilo de vida
Para ela, o uso da caneta injetável, quando supervisionada por um médico e aliada a um plano de tratamento que envolve mudanças consistentes no estilo de vida, traz inúmeros benefícios à saúde.
“Existem estudos que demonstram redução significativa de eventos cardiovasculares em população de alto risco e melhora da qualidade de vida em pacientes com insuficiência cardíaca. No recente estudo ‘SELECT’ foi observada uma redução de 20% no risco de desfechos cardiovasculares em indivíduos com obesidade tratados com a semaglutida. Teremos num futuro próximo a chegada de novos medicamentos, que já mostram potência ainda maior, como a tizerpatida”, analisa.
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Os estudos mostram que essas medicações injetáveis, além de contribuir para o controle glicêmico, diminuem a chance de infarto não fatal, Acidente Vascular Cerebral (AVC), morte cardiovascular e insuficiência cardíaca.
“O tratamento da obesidade não é uma questão só de força, foco e fé, ou seja, não depende só da vontade do indivíduo. A doença deve ser encarada como tal e abordada de uma forma ética, com respeito e embasada na ciência”, complementa a Vanessa.
Efeitos colaterais
Os efeitos adversos mais comuns dos medicamentos injetáveis são gastrointestinais, principalmente, náusea no início do tratamento, seguido de constipação ou diarreia, e em alguns casos dor de cabeça.
“A grande maioria das pessoas tem uma boa adaptação e bons resultados. Porém, tem pacientes que mesmo com pequenas doses não se adaptam. Há casos, que não são frequentes, onde ocorre pancreatite, que é a inflamação do pâncreas. Nessas situações a orientação é pela suspensão do medicamento, sem reintrodução posterior do mesmo”, enfatiza a Vanessa.